sábado, 11 de janeiro de 2020

Em busca do Desenvolvimento Sustentável

                                                                      Guilherme Augusto Hilário Lopes

         As discussões acerca do desenvolvimento sustentável em escala global são recentes. O primeiro documento a tratar este tema em escala mundial foi o relatório “Nosso Futuro Comum”, também conhecido como relatório de “Brudtland”, criado pela ONU em 1987. De acordo com o relatório da CNMAD (1988, p. 46), “O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades”. Um desenvolvimento que não destrua e nem limite a capacidade das gerações vindouras de usufruir dos recursos existentes. Para que o desenvolvimento sustentável se torne possível, é preciso que necessidades básicas como saúde, moradia, saneamento básico, alimentação e educação sejam atendidas. Portanto, a diferença entre o desenvolvimento e desenvolvimento sustentável é que o primeiro só visa o crescimento econômico. Ele se reproduz em uma lógica destrutivista, pois só leva em consideração as cifras econômicas, não respeita ecossistemas, biodiversidade e usurpa recursos demasiados.
Já o desenvolvimento sustentável visa minimizar o máximo de danos causados ao meio ambiente, inclui-se aqui seres vivos e não vivos. Essa forma de desenvolvimento exige um baixo nível de consumo de recursos não-renováveis para que as gerações futuras possam também acessar estes recursos (CNMAD, 1988). O relatório explicita que a pobreza acentua as desigualdades e crises porque “[...] muitos dos problemas de destruição de recursos e do desgaste do meio ambiente resultam de disparidades do poder econômico e político” (CNMAD, 1988, p. 50).  Ou seja, as populações mais pobres por não possuir capital econômico e político ficam à mercê das decisões tomadas por um pequeno grupo, estas decisões na grande maioria das vezes não abarcam os anseios dessas comunidades.
Usamos como exemplo a construção de uma hidrelétrica, este empreendimento geralmente não leva em consideração as demandas da comunidade local, em nome do desenvolvimento econômico ela passa por cima e devasta comunidades inteiras em nome do avanço. “O desenvolvimento sustentável é mais que crescimento. Ele exige uma mudança no teor do crescimento, a fim de torná-lo menos intensivo de matérias-primas e energia, e mais equitativo em seu impacto” (CNMAD, 1998, p. 56). Na racionalidade do crescimento, não se leva em consideração o tempo de regeneração da natureza, isso só ocorre se tiver algum custo. Há de se pensar em uma mudança na qualidade do crescimento, não adianta crescer de maneira descomunal a economia se a distribuição de renda não acompanhar esse crescimento. Como já foi dito, a pobreza é um problema que incide sobre muitos, mas afetam a todos direta ou indiretamente.
Há de se pensar em um modo mais justo de usar o meio ambiente e de conviver com ele, não tem como gerir um planeta finito que opera no modo de produção produtivista. A ideia é usar a tecnologia em prol do desenvolvimento sustentável, ecologizar o capital, internalizar custos no processo de produção, contribuindo para que o desenvolvimento econômico e social caminhe juntos. Conservar a natureza é um compromisso ético e uma obrigação moral para com as futuras gerações, e demais seres que habitam a terra, não se pode fugir de tais responsabilidades. O texto provoca afirmando que não existem vilões ou vítimas, mas que todos estariam em melhores condições se fizessem o bom uso da empatia e pensasse como nossas ações afetam os outros. Por isso, o texto faz um chamado às lideranças políticas, cientistas e demais pessoas que se mobilizem em prol do desenvolvimento sustentável, usando a tecnologia a favor para prevenir e não remediar danos.
Concluindo, acreditamos que o relatório Brudtland traz considerações importantes de como pensar e repensar o modo de produção e de manutenção da vida na terra. Ademais, ele aponta possibilidades, muitas destas até complexas e difíceis de pôr em prática, mas o importante é que ele propõe alternativas para o desenvolvimento. O relatório tem uma compreensão holística da sociedade, segundo ele, não tem como se desenvolver de modo sustentável enquanto a fome, miséria e pobreza forem presentes em diversos países. Outra abordagem interessante é que em nenhum momento o texto cita país subdesenvolvido, ao contrário e até de modo positivo usam termos como país em desenvolvimento, terceiro mundo e país industrializado. De modo geral, o texto sugere a promoção da harmonia e cooperação entre os países, entres pessoas e o ambiente para que se consiga convergir para o mesmo objetivo que é o desenvolvimento sustentável.

Referência:

CMMAD - COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: FVG, 1998. (cap. 2).

Como citar esse texto:


LOPES, G. A. H. Em busca do Desenvolvimento Sustentável. Estudos e Pesquisas Guarani no Vale do Itajaí. 11 jan. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3gW0HFX. Acesso em: dia, mês, ano.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

QUANTO MAIS DOCE, MELHOR. Um estudo antropológico das práticas alimentares da doce sociedade Mbyá-Guarani.

JAQUELINE DE SOUZA DA COSTA 

A AMARGA HISTÓRIA DO DOCE AÇUCAR

      A tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Antropologia social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por Mártin César Tempass, nos trás um estudo sobre a produção e o consumo de alimentos entre os Mbyá Guarani. Partindo da construção que o sabor doce é muito importante para os seres humanos, este trabalho objetivou realizar uma análise antropológica entre os Guarani, enfatizando os seus sabores doces e os sentidos a eles atribuídos.  
         A humanidade tem um apreço pelo sabor doce, a historia contada até na bíblia relata fatos sobre o doce e suas consequências para a humanidade. Muitas coisas foram trocadas, inclusive vidas pela sensação prazerosa de determinados sabores. Neste contexto o autor busca explicitar essa relação do ser humano com o doce e portanto a influencia indígena na doçaria nacional.  Assim o fio condutor deste trabalho é o alimento açúcar, que é mais conhecido e difundido.
        A história nos conta a luta dos seres humanos pelo alimento, que antes era feita através da caça e da pesca e depois conseguindo aperfeiçoar a prática do plantio que lhes seria útil para se ter uma estabilidade.  A expansão da humanidade se deve a agricultura e a técnica do cozimento, fazendo com que  a humanidade pudesse povoar mais regiões até então não alcançadas. Em outras palavras a expansão da humanidade se deve  às transformações alimentares.
       O gosto alimentar é uma construção feita durante toda a vida, isso significa que a predileção nata pelo doce pode ser alterada, ampliada ou reduzida conforme as experiências alimentares de cada individuo. O fato é que mesmo não gostando mais, todo ser humano já gostou do doce uma vez na vida.
       O sabor doce está presente um uma incontável serie de espécies que servem alimento para o ser humano. Desde o leite materno até as frutas e legumes.  Mas dentre todos os alimentos existem dois que se sobressaem apresentando os mais elevados teores de doçura: O mel e ao açúcar. Em todas as sociedades tanto a abelha como o mel simbolizam coisas boas, valorosas e apreciáveis. Em muitas a abelha é associada como símbolo de validez, coragem, trabalho e da soberania. E o mel é associado como sagrado.
        O mel era também consumido como forma medicinal, no Egito antigo, por exemplo, era tido como um remédio vulnerável, laxativo, diurético e anticatarral.  Assim o mel reinou como alimento mais doce e por isso mais apreciado até o surgimento do açúcar. A cana de açúcar é uma especiaria que tem sua produção e consumo por todo o planeta. Sendo apreciada por quase todas as culturas e classes sociais. A mais antiga noticia que se tem do açúcar é do tempo de companheiros de Alexandre Magno, em 327 A. C. quando de sua expedição à Índia.
         No Brasil os dados sobre a produção e os primeiros engenhos são divergentes, a primeira noticia sobre a plantação é de 1516, sob as ordens de Dom Manuel. Mas o primeiro engenho só se deu em 1532, construído por Martin Afonso de Sousa da capitania de São Vicente. Embora com divergências se sabe que o açúcar se expandiu rapidamente sendo em menos de um século um produto mundial.
         Existem muitas publicações que, aqui, e ali apresentam vários dados sobre a alimentação indígena. As mais destacadas apresentam como alimentações de selvagens. De como comiam antes do descobrimento dos colonizadores. São relatos de profundo espanto estranheza e ate preconceito. Há também muitas pesquisas sobre a alimentação dos brasileiros ( colonizadores e escravos). Mas de fato não é fácil de se encontrar uma análise de ambos aspectos: tanto a alimentação de indígenas e colonizadores.
       Os Mbyá-Guarani, obtêm e consomem seus alimentos de forma coletiva. Os alimentos são obtidos através da divisão de tarefas de produção e preparação dos alimentos. Tem-se assim o que chama Jack Goody (1995), unidades de comida. Essas unidades de comida são facilmente identificadas, pois em cada uma delas existe apenas um fogo onde são preparados os alimentos.
        A cana de açúcar já se tornou um alimento que é considerado tradicional entre os Guarani. Mas é a cana de cacho variedade verdadeiramente tradicional de sua etnia. Ela tem gosto e modo de consumo muito parecido com a cana de açúcar. Os alimentos tradicionais dos Mbyá-guarani, são predominantemente doces. Os fritos criados e cultivados pelos seus deuses são os “mais  doces do mundo”. O sabor doce provoca o comportamento doce e vice versa. O doce sendo gestos ou palavras é componente fundamental de se viver. Assim os Mbyá-Guarani são doces e consomem sabores doces o sabor define o comportamento doce.
      Porem como sabemos este doce vem sendo ameaçada pela amargura da sociedade envolvente, tanto no sentido nutricional como no sentido comportamental. Afinal um define o outro. A sociedade ocupou o território Guarani e assim afetou a produção de seus alimentos. Sem suas terras tradicionais eles não conseguem praticar sua alimentação tradicional o que leva a uma desarmonia  de suas origens. Os Mbyá-Guarani sempre foram adeptos do doce, que vem de longa data. Assim não foram os colonizadores que  ensinaram aos indígenas a arte do doce, os indígenas já apreciavam este sabor e produziam em larga escala.
      
REFERENCIA
TEMPASS, Mártin César. QUANTO MAIS DOCE, MELHOR: Um estudo antropológico das práticas alimentares da doce sociedade Mbyá-Guarani. UFRGS. 2010      

DA UNIVERSIDADE À CASA DE REZAS GUARANI E VICE VERSA: REFLEXÕES SOBRE A PRESENÇA INDÍGENA NO ENSINO SUPERIOR A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DOS GUARANI NA LICENCIATURA INTERCULTURAL INDÍGENA DO SUL DA MATA ATLÂNTICA/UFSC



Deste texto de estudos, meu objetivo é apenas fazer um resumo, pois os dados são relevantes e devem permanecer nas palavras da autora para melhor interpretação.
O tema acima de é da autora Clarissa Rocha De Melo, e se refere a sua tese apresentada ao programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, para a obtenção de doutora em Antropologia. Tendo como Orientadora a Dr.ª Antonella Imperatriz Tassinari.
O interesse da autora sobre educação indígena guarani vislumbrava a compreensão de relações mais complexas entre estes grupos guarani, que enfatizavam a importância do corpo; de uma temporalidade própria e de momentos de silêncio como significativos para a educação.
            Clarissa explica que o curso de Licenciatura Intercultural indígena acabara de iniciar, que estavam no primeiro ano de um curso piloto, e não havia pesquisas sobre esse processo, além disso, ela já conhecia muitos acadêmicos guaranis que estavam cursando a Licenciatura, e sentiu-se animada com a ideia da pesquisa. Foi aos poucos revendo amigos e amigas guaranis, buscando uma reaproximação e nas conversas contou de seu projeto e que desejava contribuir com uma pesquisa sobre esse curso, por ser algo recente não apenas em Santa Catarina, mas um processo recente no Brasil. Clarissa ao rever seus amigos descreve: _“Ao deparar-me com aquela cena – vários indígenas no hall de entrada do Centro de Filosofia e Ciências Humanas – muitos pensamentos me vieram à mente. Ao passo que era interessante, sentia certo estranhamento ao observar meus amigos indígenas – sempre vistos em suas respectivas aldeias – ali, fazendo parte do ―meu mundo. Este processo permeou toda a pesquisa de campo. Se antes, no mestrado, eu me mudei às aldeias indígenas para conhecer suas realidades cotidianas e escolares, neste momento, no doutorado, eles se ―mudaram para Universidade para conhecer nossa realidade diária e adquirir nossos conhecimentos”.
Em seus estudos, durante os intervalos entre etapas – convivia entre uma aldeia guarani e outra: hora no Morro dos Cavalos, hora em Mbiguaçu, com visitas a outras aldeias como Amaral, Morro da Palha, Massiambu, Araquari, Jaboticabeira, Morro Alto e Amâncio.
Na universidade, Clarissa começou seu Estagio de Docência na disciplina ―Infância Indígena, ministrada pela professora Antonella Tassinari, e posteriormente como professora colaboradora na disciplina de ―Práticas Corporais ministrada para as três turmas: Guarani, Kaingang e Xokleng. E finalmente como professora na Terminalidade ―Linguagens e Língua Indígena‖, ministrando a disciplina ―Práticas Corporais II.  A participação como antropóloga colaboradora nas diligências periciais, permitiu conhecer oito aldeias indígenas importantes, vinculadas à quatro Terras Indígenas que demonstram laços de parentesco e uma rede intensa de relações com as aldeias guarani do litoral de Santa Catarina.
Clarissa coloca que se lembrou da fala de Bartolomeu Meliá– em palestra para os acadêmicos da Licenciatura Intercultural Indígena – quando contou um pouco sobre sua vida e trajetória junto aos povos indígenas. Ele humildemente observou que durante o doutorado esquecia-se de ―agir como antropólogo e esqueceu-se de anotar muita coisa, depois que conseguiu o título percebeu que nada sabia. Disse ainda que Meliá faz compreender que para trabalhar com grupos indígenas, precisamos de dedicação, pesquisa e convivência. As relações sociais dentro de um grupo indígena nos revelam infinidade de saberes, são pequenas partes de um grande quebra-cabeça. Do mesmo modo a nossa relação com aqueles com os quais trabalhamos, pois se encaixarmos adequadamente as peças, teremos um resultado final significativo.
Em seu trabalho, Clarissa não residiu em focar nas aldeias indígenas, mas nos acadêmicos e sujeitos guarani. De todo modo, durante os intervalos entre as etapas do curso de licenciatura, ela transitava pelas aldeias guarani, que compõem um território de circulação de parentes, bens, serviços e rituais. Clarissa diz: _“Cada vez mais chegamos a um momento histórico em que não podemos reduzir as aldeias indígenas a pequenos espaços circunscritos. Quanto mais circulamos por essas aldeias e conversamos com nossos interlocutores, percebemos que há uma linha, muitas vezes invisível –pelas mudanças nas paisagens provocadas pelas estradas, empreendimentos e construções – que tece todas as aldeias, formando uma verdadeira teia de relações”.

HISTÓRIA DA ESCOLARIZAÇÃO:
Segundo Clarissa, é em 1996, que inicia-se o processo institucional de escolarização nas aldeias, mediante a parceria entre líderes Guarani, Secretaria de Educação do Estado e FUNAI. O objetivo principal era elaborar um projeto que objetivasse a implementação de escolas nas três aldeias guarani da grande Florianópolis: Morro dos Cavalos, Massiambu e Mbiguaçu. Em 1998, foi fundada a escola Wherá Tupã Poty Djá, em Mbiguaçu, e em 2003, a escola Itaty, no Morro dos Cavalos, sob a tutela do governo do Estado. Em Morro dos Cavalos a escola chegou mais tarde que nas demais aldeias, fato que chamou atenção de Clarissa já em 2008, quando realizava pesquisa de Mestrado na aldeia. Artur Benites e as pessoas da comunidade resistiam muito sobre a possibilidade de uma escola nos moldes do djuruá na aldeia. Ainda em 2008, quando indagou os professores indígenas mais antigos na aldeia, disseram que tinham medo que a ―cultura djuruá” influenciasse a ―cultura indígena, e portanto, não queriam escola. Este fato foi descrito por indígenas de muitas aldeias, que tinham medo, que não queriam uma escola ―de branco.

EDUCAÇÃO ESCOLAR, ENSINO SUPERIOR INDÍGENA E XAMANISMO: POSSIBILIDADES DE APROPRIAÇÃO DE CONHECIMENTOS QUE RESIDEM NA ALTERIDADE.
Clarissa aborda aqui que foi penas na década de 90, com o Decreto Presidencial (nº 26), que o governo Brasileiro transfere a responsabilidade oficial da Educação Escolar Indígena da FUNAI para o Ministério da Educação (MEC). “A educação indígena não está sujeita a existência de espaços físicos, como salas de aula, horários definidos. Ironicamente ele questiona os mecanismos ―civilizados de ensinar aos indígenas informações distantes do seu uso cotidiano e contextos de prática, utilizando a alfabetização como instrumento principal. Na opinião do autor, a alfabetização deveria ser relegada à segundo plano, pois o fundamental nesses contextos seria instruí-los para enfrentar e sobreviver às condições geradas pelo convívio com a sociedade nacional, individualista e baseada no sistema de produção capitalista.” (Santos,1975, p.83).
No contexto da região sul do Brasil, a escolarização dos grupos indígenas inicia-se em meados da década de 40, período de grandes embates frente aos projetos governamentais que não elaboravam um plano de ação voltada aos povos indígenas, trazendo em seu bojo a discussão da terra, atividades na área da economia, saúde, e a educação como mais um destes elementos. Embora a escolarização sistemática tenha se iniciado no Estado de Santa Catarina na década de 1940, a discussão sobre os objetivos da educação escolar para os povos indígenas não se deu ate o inicio da década de 1970. Naquele momento, Silvio Coelho já previu e abordou questões que fazem parte das discussões atuais sobre Ensino Superior Indígena, no que tange aos espaços regulamentados para estas praticas educativas, quanto sobre a necessidade da instrumentalização destes grupos e posteriormente, do ensino bilíngue em todos os níveis de ensino.
O conhecimento advindo da Universidade, e o investimento dos acadêmicos guarani no xamanismo, exigem grandes esforços para serem adquiridos – tanto permanecer sentados em sala de aula durante todo o dia, ingerir outros tipos de substâncias/alimentos ―perigosos, permanecer afastados dos núcleos familiares; quanto seguir regras de conduta e comportamentos semelhantes para ―receber os ensinamentos xamânicos. Além disso, esses conhecimentos provenientes da alteridade proporcionam uma mediação entre mundos: entre índios e não índios – na Universidade –, entre parentes, humanos e não humanos – no xamanismo.
A valorização do xamanismo refere-se desde cuidados corporais (dietas alimentares, resguardos pós-parto, cuidados no período do djatchy – menstruação, importância de fumar o petyngua (cachimbo guarani), ter momentos de silêncio, modos de agir, entre outros aspectos da vida cotidiana), até a ―formação de lideranças espirituais‖- popygua, nos rituais frequentes na opy – casa de rezas -, quanto em rituais anuais como a ―busca de visão guarani‖ – kaaguy nhembo´e, que será descrita mais adiante, na parte III dessa tese. Além da característica de mediação que envolve os conhecimentos no xamanismo e no ensino superior, trato dos processos de aquisição e transmissão desses conhecimentos entre os grupos Guarani, e dos distintos protocolos exigidos entre as pedagogias nativas e a Universidade.
O Ensino Superior, assim como o Xamanismo – e toda sua complexidade constitutiva –, é um lócus de interesse desses acadêmicos indígenas. Ao passo que valorizam a aquisição desses conhecimentos, enfatizam a necessidade de disposições adequadas para aprendizagem. Todavia, nesses espaços de aprendizagem se colocam em uma postura aberta à relação e à troca, apesar dos desafios e impossibilidades de diálogo. Demonstram, portanto, e de certo modo reafirmam, a característica observada desde as narrativas de contato: a abertura para o outro, e a busca de conhecimentos da alteridade como cerne das tradições. Nesse sentido, temos muito que aprender com povos indígenas que se colocam dispostos à relação e ao diálogo, diferentemente de muitos não indígenas que se autorizam como aquele que fala, às vezes escuta, mas não demonstra interesse em aprender com o outro e a partir dele criar algo distinto de suas ideias cristalizadas. Esse é o verdadeiro encontro etnográfico ao qual essa tese se propõe. O xamanismo – permitindo acesso ao plano espiritual e todos os seres que o compõe; e a universidade – permitindo o acesso ao mundo não indígena e seus modos de pensar e agir. Desse modo, esses conhecimentos não se excluem, mas se complementam na constituição da pessoa guarani, que tem na alteridade o cerne de suas tradições.
O ensino superior indígena se expande gradativamente, e em toda América Latina é alvo de reivindicações dos movimentos indígenas e recebe atenção por parte dos governos nacionais e agências internacionais. Exemplo disso, o Instituto Internacional para a Educação Superior na América Latina e no Caribe (IESALC) – da Unesco. Na atualidade existem algumas modalidades de ingresso para indígenas no Ensino Superior: a reserva de vagas; vagas suplementares; acréscimo de pontos no processo de seleção; sistema misto (reserva de vagas e vagas suplementares), ou por meio das Licenciaturas Interculturais Indígenas – sendo que esta última é a principal forma de ingresso dos estudantes indígenas, juntamente com a reserva de vagas, como descrito anteriormente.
Apesar de uma aparente ampliação do acesso aos indígenas às Universidades, a permanência destes estudantes (com exceção das Licenciaturas Interculturais que garantem a alimentação e hospedagem) se torna, em muitos casos, inviável. Isso se dá pelo fato de que o ingresso na Universidade não garante possibilidade de auxílio moradia, alimentação e, tampouco o sucesso acadêmico dos estudantes, ou seja, a finalização do curso. Além disso, são elevados números de evasão, Principalmente nos cursos regulares das instituições.
            O Conselho Nacional de Educação estima existir no Brasil cerca de 5.000 estudantes universitários indígenas, entre formados e formandos. Considerando seu perfil socioeconômico, a maior parte dessa população cursou a educação básica em escolas públicas. Essas, com raras exceções, padecem pela falta de preparo de professores e gestores para o trato da presença indígena, e os relatos dos estudantes indígenas remetem a vergonha e preconceito em suas experiências escolares. O contingente de estudantes universitários indígenas vem crescendo consideravelmente, tanto através das Ações Afirmativas, quanto dos vestibulares diferenciados para os cursos de Licenciatura Intercultural Indígena. Algumas destas iniciativas foram direcionadas a um público-alvo definido segundo critérios socioeconômicos, outras segundo critérios étnico-raciais.




Entrega da pauta de revindicações pelos acadêmicos indígenas para vice-reitora/UFSC.
Fotografia: Clarissa Melo, 2014.
O dia a dia na licenciatura Intercultural indígena do Sul da Mata Atlântica.
Fotografia: Clarissa Melo, 2012, 2013.

OS RISCOS DA ESCOLARIZAÇÃO DOS SABERES INDÍGENAS
As Licenciaturas Interculturais, segundo Clarissa, proporcionam uma formação específica, voltada à realidade dos grupos indígenas, todavia, os editais de financiamento e projeto desses cursos são ofertados exclusivamente à formação de professores. Não contempla desse modo, a formação dos acadêmicos indígenas em outras habilitações, como por exemplo, na área da Saúde (Medicina, Farmácia, Odontologia), no Serviço Social, Direito, Antropologia, entre outros. Essa possibilidade torna-se viável a partir das propostas das Ações Afirmativas, com a implementação de cotas para indígenas e afrodescendentes, e vagas suplementares. Ações que estimulam o crescimento da presença indígena nos cursos regulares destas instituições, todavia, devem ser acompanhadas de atividades de apoio à permanência.

OS DESAFIOS DOS ACADÊMICOS INDÍGENAS NA LICENCIATURA
INTERCULTURAL INDÍGENA DO SUL DA MATA ATLÂNTICA
Durante o curso de Licenciatura Intercultural Indígena do sul da Mata atlântica, sediado na UFSC, certa vez – já finalizando o terceiro ano do curso –, em uma reunião de avaliação, a equipe composta pela coordenação e docentes se questiona sobre as possibilidades e limites do curso em questão. Será que estes acadêmicos indígenas conseguirão fazer a diferença? Será que eles serão os protagonistas de uma escola diferenciada em suas respectivas comunidades? Por instantes, reflete-se se a pergunta era realmente essa a ser feita. Será que o protagonismo destes acadêmicos deve passar necessariamente pela escola? Muitos acadêmicos enfatizam a melhoria de suas aulas, destacando suas atuações como professores indígenas nas aldeias. Todavia, o conhecimento indígena não passa necessariamente e exclusivamente pela escola, e sim por todos os âmbitos da comunidade.

MODOS DE CONHECER: OS DESAFIOS DA INTERCIENTIFICIDADE
Muitos aprendem a olhar e valorizar seus conhecimentos a partir do nosso, da nossa ―estrutura‖ de ensino, da nossa ―lógica de conhecimento; os professores indígenas sistematizam o conhecimento ―tradicional e colocam em formato acadêmico, não reconhecível pelos ―detentores do saber; a distância entre ―sistematizadores e ―detentores do saber; a formação de professores indígenas baseia-se na separação por disciplinas, compartimentação como característica do conhecimento científico. Por outro lado, Dominique incentiva que haja nessas formações reflexões sobre mito, história; verdade, ciência; sistemas de conhecimento e Antropologia da Ciência.
            As falas dos acadêmicos indígenas remetem às reflexões sobre como produzir outro conhecimento que agregue múltiplas visões de mundo. Seus trabalhos apresentados durante o curso explicitam suas concepções de totalidade, pautada no holismo, onde os aspectos são integrados, não sendo possível falar de saúde sem falar de religião, de território. Em contrapartida, na Universidade, seguimos o modelo cartesiano, onde a mente é separada do corpo, e deste modo, construímos um pensamento desvinculado dos contextos de prática, salvo raras exceções.

MODOS DE CONHECER GUARANI E O ENSINO SUPERIOR
Os exemplos fornecidos ao longo da tese ressaltam também os ritmos próprios aos grupos indígenas, ritmos que tem a ver com o momento certo de perguntar, de falar, os tempos necessários para as reflexões, como relatou um acadêmico indígena: ―as vezes na sala de aula anoto alguma coisa, mas fico disperso, quando chego em casa que vou refletir e começar a entender”.
            Em sala de aula os acadêmicos indígenas tem que dar conta de muitos temas, informações e reflexões desvinculadas de um contexto de prática, essas informações percorrem um processo até se tornarem conhecimento de fato, algo que deve ―ser gestado e nunca será acabado.
            Esse fato nos permite compreender que muitos acadêmicos indígenas não perguntam no momento em que o professor explica algo, mas vão refletir sobre o assunto para posterior compreensão.
            Além disso, o ritmo de cada grupo indígena deve ser respeitado, e se observados com atenção podem nos ensinar inúmeras lições: a atenção, a necessidade do saber-sentir – um saber ligado ao contexto de prática, como explica a acadêmica guarani: “que nem a laranja, não adiante eu explicar pra você o sabor que a laranja tem, você tem ir lá e sentir o seu sabor doce e azedo”; um ritmo corporal que respeita os momentos adequados de emitir a palavra – aspecto fundamental para os acadêmicos guarani.
CONCLUSÃO
            Para a autora Clarissa, certamente a experiência do contato com os guaranis fez com que seu olhar tivesse maior sensibilidade sobre este povo e as formas de ensino universitário que seriam mais adequada a realidade dos mesmos. As vivências em aldeias diversas de Santa Catarina proporcionaram aprendizados únicos para a autora. Nossa cultura fica a parte da cultura indígena, mas em função da globalização, faz-se necessário estender estas relações e cabe a cada uma destas culturas, conhecer o limite de cada uma e respeitar-se mutuamente. O conhecimento acadêmico na atualidade está para todos, mesmo que ainda para muitos o acesso é mais dificultoso. Entender que o povo indígena na academia se sente dissociado do ambiente da sala de aula já é um grande passo para se pensar na elaboração de conhecimentos a estes povos que tragam um verdadeiro sentido a sua cultura e não apenas uma ação mecânica de nossa cultura sobre o que e como se ensinar.
Este momento de silencio que Clarissa fala no inicia da sua tese, é possível de entender a partir de um texto que a mesma acrescentou em seu trabalho, representando o pensamento indígena. Estas palavras do texto abaixo possuem quase que um sentido de reza, possui uma base de conhecimento, de crítica á nossa cultura que não tem, geralmente, a sensibilidade de ouvir, de falar o necessário e apreciar o silencia para desenvolver o autoconhecimento de si e da natureza:

Nós índios, conhecemos o silêncio. Não temos medo dele.
Na verdade, para nós ele é mais poderoso do que as palavras.
Nossos ancestrais foram educados nas maneiras do silêncio e eles nos     transmitiram esse conhecimento.
Observa, escuta, e logo “atua", nos diziam.
Esta é a maneira correta de viver.
Observa os animais para ver como cuidam se seus filhotes.
Observa os anciões para ver como se comportam.
Observa o homem branco para ver o que querem.
Sempre observa primeiro, com o coração e a mente quietos, e então aprenderás.
Quanto tiveres observado o suficiente, então poderás atuar.
Com vocês, brancos, é o contrário. Vocês aprendem falando.
Dão prêmios às crianças que falam mais na escola.
Em suas festas, todos tratam de falar.
No trabalho estão sempre tendo reuniões nas quais todos interrompem a todos, e todos falam cinco, dez, cem vezes.
E chamam isso de "resolver um problema".
Quando estão numa habitação e há silêncio, ficam nervosos.
Precisam preencher o espaço com sons.
Então, falam compulsivamente, mesmo antes de saber o que vão dizer.
Vocês gostam de discutir.
Nem sequer permitem que o outro termine uma frase.
Sempre interrompem.
Para nós isso é muito desrespeitoso e muito estúpido, inclusive.
Se começas a falar, eu não vou te interromper.
Te escutarei.
Talvez deixe de escutá-lo se não gostar do que estás dizendo.
Mas não vou interromper-te.
Quando terminares, tomarei minha decisão sobre o que disseste,
mas não te direi se não estou de acordo, a menos que seja importante.
Do contrário, simplesmente ficarei calado e me afastarei.
Terás dito o que preciso saber.
Não há mais nada a dizer.
Mas isso não é suficiente para a maioria de vocês.
Deveríamos pensar nas suas palavras como se fossem sementes.
Deveriam plantá-las, e permiti-las crescer em silêncio.
Nossos ancestrais nos ensinaram que a terra está sempre nos falando,
e que devemos ficar em silêncio para escutá-la.
Existem muitas vozes além das nossas.
Muitas vozes.
Só vamos escutá-las em silêncio.
"Neither Wolf nor Dog. On Forgotten Roads with an Indian Elder" –
Kent Nerbur.

REFERENCIA
Texto enviado por e-mail pelo professor Juliano Gonçalves Da Silva.
Da Universidade à Casa De Rezas Guarani e Viceversa: Reflexões Sobre A Presença Indígena No Ensino Superior A Partir Da Experiência Dos Guarani Na Licenciatura Intercultural Indígena Do Sul Da Mata Atlântic. Clarissa Rocha de Meloa/Ufsc. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Florianópolis, 2014. Sitio: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/129551.



UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU – FURB
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA COMUNICAÇÃO
GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – 5º SEMESTRE
DISCIPLINA: ETNOLOGIA INDÍGENA
PROFESSORA: MARILDA ROSA GALVÃO CHECCUCCI GONÇALVES DA SILVA
PROFESSOR: JULIANO GONÇALVES DA SILVA
ESTUDANTE: MARTA PAPKE DA SILVA PASOLD
DATA: 06/2015